quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Tinqüina



A cada seis meses, o salão de festas do Edifício Barão de Lisboa recebe o evento social mais importante do condomínio: o sorteio das vagas da garagem. O rodízio é feito porque existem vagas boas, vagas mazormeno, vagas ruins e vagas inutilizáveis. E quem pega uma dessas é obrigado a passar meio ano no perrengue, como aconteceu comigo no último sorteio.

Dos 64 apartamentos do prédio, a bolinha do 161 teve a manha de ser a última - isso mesmo, a última - a sair das mãos do síndico folgado que tem cara de buldogue com vira-lata, que não me cumprimenta ao entrar no mesmo elevador, e que quando eu digo bom dia, o máximo que recebo em troca é um grunhido canino. A vaga fica atrás do lugar escolhido pelo japonês do 14º, e eu preferi passar seis meses estacionando na rua a arriscar manobrar o reluzente Honda Fit do japa.

Pois bem. Sob chuva torrencial, laquês, chinelos Ryder, calças de moleton e semblantes apreensivos, o sorteio desta quarta-feira estava especialmente empolgante. Toda a fauna reunida, espécies da mais rara estirpe, aguardavam ansiosamente pelo que a bolinhas estavam para revelar.

O cenário era de um bingo no Hotel Fazenda Jerubiaçaba de Águas de São Pedro durante o feriado de Finados, e para mim, um momento tenso. Precisava desesperadamente de uma vaga boa desta vez, e confiava no meu santo, já que ele cansou de se foder junto comigo ao chegar na chuva, carregar os 13 saquinhos de compras do supermercado com as mãos ou simplesmente não encontrar vagas próximas na rua.

Bolinhas no saco e todos olhando fixamente para o buldogue, que se sente o máximo ao ganhar minutos de fama e glamour na Assembléia Extraordinária. Afinal, são as patas daquele verme que traçarão os destinos da comunidade carente do Jardim das Bandeiras pelos próximos 180 dias. 

Mexe daqui, mexe dali, e as bolinhas vão saindo, uma a uma. Eu já começava a me conformar com uma nova decepção quando, depois de uma dúzia de felizardos, chega o instante glorioso. Com as mãos trêmulas e as têmporas úmidas, escuto o número mágico sair daquela boca raivosa: um meia um. Tinqüina!

Comemorando por dentro com uma euforia corintiana, como se fosse um gol decisivo na final, me concentro para escolher a vaga com calma e precisão antes de fixar meu olhar profundo e vingativo nos olhos cinzentos do velho buldogue. E, como num passe de mágica, aquele animal rabugento e cheio de berne passa a ser o cãozinho amistoso de MSN que selou a minha sorte. 

* Ao fundo,  o síndico expulsa o morador do 162 do sorteio por falta de pagamento. Nesse momento ele ainda era buldogue. 


2 comentários:

Unknown disse...

Eu achava que você era daqueles que não se contenta com tinqüina, só com cartela cheia.

Unknown disse...

o 152 ficou de fora também... siplesmente lesei.